segunda-feira, 9 de março de 2009

Missão da Igreja Católica no mundo universitário no Brasil hoje


- Conceitos

Por “Missão da Igreja Católica no mundo universitário no Brasil hoje” entendo o que geralmente se chama a pastoral universitária da Igreja Católica no Brasil.

Um primeiro termo a esclarecer é: a Igreja Católica. De fato, desde os tempos do Concílio Vaticano II existe o justo desejo de viver o cristianismo, e mesmo a religiosidade em geral, em nível ecumênico. O próprio Concílio Vaticano II teve como uma de suas principais finalidades enfrentar o escândalo da divisão dos cristãos, de acordo com o sentir do falecido papa João XXIII. Sem diminuir em nada essa aspiração, o realismo nos ensina que, para uma expressão eficaz da fé cristã e uma ação evangelizadora bem articulada, é preciso a coerência confessional, ou seja, a vivência da fé cristã na fé e na prática das respectivas igrejas que merecidamente levam o nome de “cristãs”, ou seja, que encontram em Jesus, o Cristo, sua referência específica e o Espírito que as conduz. É-se cristão, concretamente, em uma das confissões cristãs. Isso significa que o ecumenismo será um pluralismo, não uma confusão. E que, portanto, os membros de cada confissão devem assumir sua missão segundo as regras de fé e prática que sustentam a vida de suas comunidades, enquanto estas procuram a unidade na diversidade, o que é o verdadeiro ecumenismo.

Daí falar-se da “missão” da Igreja Católica, confessionalmente definida. Quatro décadas atrás, o termo preferido era “pastoral”. Este termo, porém, era lingüisticamente espúrio, por se tratar de um adjetivo privado de seu substantivo, e evocava antes os pastores que o povo laical (laós). Por isso, foi sendo substituído pelos termos “ação” ou “missão evangelizadora”, bem mais adequados, pois evocam a missão que o próprio Jesus confiou tanto aos Doze como aos setenta e dois discípulos, de levar o evangelho ou boa-nova do Reino de Deus ao povo, em primeiro lugar, aos pobres. E isso, não só em palavras, mas também por ações que sejam sinais do Reino, como o próprio Jesus os realizava na sua missão em meio aos homens e mulheres de seu povo e de seu tempo. Concebo, portanto, a “pastoral universitária” da Igreja Católica - respeitando a articulação própria das outras confissões cristãs - como missão evangelizadora e ação comprometida com o Reino anunciado por Jesus. E isso, no mundo universitário no Brasil, hoje.

Pelo mundo universitário no Brasil, hoje, entendemos em primeiro lugar o âmbito da universidade no Brasil, ou seja, as instituições de ensino universitário ou superior em geral, tanto públicas como privadas, e sua área de atuação e influência. Em segundo lugar, a vida dos acadêmicos, docentes e discentes. Enfim, por extensão, pessoas e áreas ligadas às instituições de ensino superior, como sejam os funcionários etc. A missão da Igreja Católica no âmbito universitário deverá, portanto, focalizar em primeiro lugar o ensino superior como tal, no seu contexto sociocultural, no Brasil, hoje. Sem essa atenção, a missão junto aos acadêmicos, docentes e discentes, fica abstrata e limitada a aspectos que não atingem seu envolvimento profissional, seja em nível pessoal, seja em nível estrutural. A delimitação ao âmbito brasileiro estabelece uma prioridade geográfica e sociocultural, por razões pragmáticas. Não exclui de seu horizonte a interrelação deste âmbito com esferas mais amplas, como sejam a do sub-continente latino-americano e, mesmo, do mundo inteiro, especialmente agora que o fenômeno chamado globalização diminui as fronteiras geográficas, enquanto talvez esteja elevando outras.
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A partir desta definição teórica podem-se formular o perfil e algumas tarefas da missão evangelizadora da Igreja Católica no âmbito universitário do Brasil hoje.

- Missão do “povo de Deus”.

A “missão universitária católica” será assumida pelos católicos como tais, em sintonia com os cristãos de outras confissões e com os não cristãos que se empenham no mesmo sentido. Será uma missão do povo de Deus, do laós, ou seja, de todos os que, no seio da Igreja Católica, vivem autenticamente a fé cristã voltando sua atenção para o âmbito universitário. Todos, inclusive os ministros consagrados em função hierárquica, são “laicos”, membros do povo de Deus, e é como tais que exercem sua missão. A hierarquia tem o papel de “monitorar” a missão de todos, reconhecendo, porém, que quem está mais próximo do âmbito focalizado tem as melhores condições para conceber o empenho concreto, assim como dizia o falecido Cardeal Cardijn: o apóstolo dos operários será o operário.
Pode-se portanto dizer que se trata de uma missão da comunidade dos “leigos”, no meio da qual e a serviço da qual —não separados e distantes— os ministros consagrados exercem o carisma que lhes foi confiado. Vale a pena observar isso, para que não se repita o que muitas vezes se viu, tanto na antiga “Ação Católica” como nas pastorais que a sucederam: uma liderança exercida pelos padres como que ex-ofício, inclusive em terrenos para os quais não têm nenhum preparo, ou o têm pelo mero fato de terem recebido maiores chances de estudo que os (outros) leigos, inclinando-se a assumir liderança em qualquer campo, em detrimento de sua vocação de guias na fé e na oração.

- Missão evangelizadora no âmbito universitário.

A missão no âmbito universitário —que abrange os programas de pesquisa e formação universitária bem como a vida dos seus agentes, docentes e discentes, especialmente em sua dimensão acadêmica— deve participar do amor da verdade e do olhar investigador da realidade que caracterizam o autêntico empenho científico e intelectual. O evangelizador que, ao dirigir-se a este campo, fica alheio ao genuíno espírito acadêmico será como um missionário que fica alheio à cultura e à linguagem do povo no meio do qual pretende exercer sua missão. Por outro lado, a missão universitária cristã procurará confrontar o campo e o espírito universitário com o que a missão do próprio Cristo trouxe de específico à humanidade, a experiência de Deus como Pai —no sentido transcendente deste termo simbólico nos evangelhos— e as exigências da fraternidade humana resumidas no mandamento do amor —com a incidência na realidade “objetiva” que o termo “Reino de Deus” evoca—. Este confronto é um diálogo, mas um diálogo em busca de verdade e autenticidade, não de conformismo. Exige uma “encarnação” universitária, uma presença existencial e histórica, participativa e ao mesmo tempo crítica. Uma solidariedade sincera e a coragem de se distinguir e de ser diferente por causa do que se percebe “a mais” em Cristo: a diferença cristã.

Chamamos esta missão de “evangelizadora”, porque no mundo de hoje, e também no Brasil (nominalmente ainda católico), se deve partir do pressuposto de que todos precisam ser evangelizados até prova do contrário. Da cristandade medieval-moderna, que confundiu a Igreja com a Sociedade, sobrou, graças a Deus, só um casquinha. O modo autêntico de presença do espírito cristão, como fermento na massa, não pode ser medido por critérios de visibilidade, e a evangelização nunca pode cruzar os braços como diante de uma conquista adquirida. Não vivemos num mundo cristão, mas num campo de evangelização.

Todas as áreas e dimensões da vida universitária e acadêmica estão na mira dessa missão: a honestidade científica e a dedicação ao estudo; a ética profissional de pesquisadores, docentes e discentes, e até do corpo administrativo e técnico; o valor humanitário, social e —diante da sensibilidade atual— ecológico da pesquisa científica, bem como de seu espírito e aplicação; a adequação da própria instituição a sua vocação científico-didático-comunitária; as condições de vida, a cultura e a percepção de vida dos acadêmicos; os valores e desvalores cultivados no meio deles etc. Evidentemente, quem se engajar nesta missão terá de abraçar em primeiro lugar a área com a qual ele tem maior proximidade e afinidade. Um calouro dificilmente contribuirá significativamente na “evangelização” dos programas de pesquisa avançada, um docente-pesquisador envolvido em programas internacionais dificilmente exercerá uma presença permanente nos diretórios acadêmicos...

- Organização

A enorme diversidade do campo universitário-acadêmico exige uma articulação perspicaz, para que a missão evangelizadora seja como a dos discípulos de Jesus: cordeiros no meio de lobos, simples como as pombas e prudentes como as serpentes. Onde mais se concentra a “inteligência”, mais se concentra a malícia. Cabe aí o dom do inteligência divina que se traduz em organização humana. Essa organização e articulação pode ser —dependendo das circunstâncias— atribuição de grupos espontâneos, de movimentos de vida cristã atuantes em determinado ambiente ou instituição, de um serviço da própria IES, especialmente se católica, da organização pastoral da Igreja Católica ou de organismos ecumênicos do lugar.

Em nível da Igreja Católica do Brasil, tal articulação deve ser uma preocupação da Conferência Nacional dos Bispos, o que não significa que ela deve organizar a atuação de cima para baixo. Ela agirá mais no sentido de informação, comunicação e monitoramento, tomando conhecimento daquilo que está acontecendo e daquilo que falta acontecer, para orientar as forças ativas num modo ao mesmo tempo eficaz e iluminado pelo genuíno espírito do evangelho, levando em consideração o inteiro panorama de sua missão evangelizadora no Brasil e as demandas espirituais do mundo hoje.

Destas considerações segue-se que se deve evitar qualquer monopólio ou exclusivismo. Por outro lado, tendo diante dos olhos o conjunto e a complexidade da missão, dever-se-á exercer legítima orientação, ao mesmo tempo crítica e animadora, junto aos que se dedicam, como membros da Igreja Católica, à missão universitária cristã.

- Tarefas concretas

Entre a multidão de tarefas concretas que se apresentam na evangelização universitária devem ser priorizadas, pelo menos no atual momento, as que se podem chamar de teóricas:
· o estudo da mentalidade contemporânea, não só no nível da população em geral, mas especialmente entre os intelectuais, cientistas, líderes políticos etc.;
· o estudo da visão do mundo em tempo de crise econômica, ecológica e ética;
· o estudo propriamente teológico, ou seja, do significado de Deus e do Transcendente para a pessoa humana hoje;
· o estudo da mensagem cristã, focalizando especialmente o mundo da cultura e da universidade;
· a pesquisa sociorreligiosa acerca da religião e do cristianismo;
· o estudo e valoração crítica dos projetos, programas e prioridades das instituições universitários ou científicas, inclusive as orientações da SBPC, da CAPES, dos programas de pós-graduação etc.;
· as exigências da formação humana e integral das pessoas.
Ao mesmo tempo apresentam-se como tarefas práticas urgentes:
· a iniciação na fé, conferida com atraso porque nunca aconteceu antes, aos acadêmicos que querem ser cristãos de verdade - a descoberta de Cristo, na doutrina, na oração e sobretudo na prática ética e fraterna;
· a formação de núcleos ou comunidades cristãs em dimensão da pessoa, pois cada cristão tem pelo batismo direito a uma comunidade de intercâmbio, diálogo e apoio pessoal;
· diálogo da fé, tanto com os estudantes quanto com os docentes, administradores, funcionários;
· celebrações religiosas autênticas e pratica sacramental consciente;
· a formação de agentes para a missão universitária;
· a formação de grupos de estudo e de conscientização;
· ações de solidariedade para com pessoas do âmbito universitário ou a partir da universidade;
· iniciativas de ajuda aos candidatos ou universitários iniciantes, tanto em termos didáticos (cursos pré-vestibulares, de reforço ou complementação etc.) como em termos culturais (acolhida) e socioeconômicos (alojamento barato, compras, empréstimos);
· programas culturais humanizadores (e, por isso, evangelizadores);
· quando necessárias, ações políticas dentro e fora da universidade, de preferência junto a ou em entendimento com instâncias qualificadas e competentes.

(Texto de ensaio elaborado por J. Konings)

3 comentários:

  1. A ação da Igreja no meio universitário, ainda que algo já esteja mudando, carece de investimento humano, especialmente de uma assessoria local qualificada e disponível. O acompanhamento e o dispertar dos jovens universitários para a missão na universidade precisa encontrar o "caminho das pedras" para acontecer de fato. Os desafios práticos são questões ainda masi difíceis de sobrepor em relação aos novos marcos teóricos da ação evangelizadora da Igreja.

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  2. "Precisamos de intelectuais capazes de falar de Deus", ressaltou o papa que acrescentou: "Como é fácil compreender, a ação pastoral universitária deve também se expressar em toda a sua força teológica e espiritual, ajudando os jovens a compreenderem que a comunhão com Cristo os leva a conhecer o mistério mais profundo do homem e da história."

    "Na universidade a presença cristã se torna sempre mais importante e ao mesmo tempo fascinante", ressaltou o papa, porque a fé é chamada, como nos séculos passados, a oferecer o seu insubstituível serviço ao conhecimento, que, na sociedade atual, é o verdadeiro motor do desenvolvimento.

    "Do conhecimento, enriquecido com a ajuda da fé depende a capacidade de um povo de saber olhar o futuro com esperança, superando as tentações de uma visão puramente materialista de nossa existência e da história", frisou o papa.

    Vamos juntos construir esta história!!!

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  3. Olá!

    Sou bolsista do CNPQ e realizo uma pesquisa na PUCPR que tem como tema: POLÍTICA EDUCACIONAL CATÓLICA NO BRASIL, DE 1952 A 2000, Á LUZ DE FONTES HISTORIOGRÁFICAS E DOS DOCUMENTOS DA IGREJA. e o PROJETO DE ORIGEM:Hegemonia Católica e Educação no Brasil, de 1930 a 2000.
    Gostaria de saber dos participantes do blog a opinião acerca desse assunto!

    Obrigada!!!

    Ana Furis

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